quarta-feira, 3 de outubro de 2007

reflexos/ Veneza



São trechos do livro Marca D'água, Joseph Brodsky, são impressões sobre a cidade de Veneza que ele visitava sistematicamente a cada inverno:

"Sempre concordei com a idéia de que Deus é tempo, ou pelo menos de que seu espírito o é. ... sempre pensei que se o espírito de Deus se movia sobre a face da água, a água tinha de refleti-lo. Daí meu sentimento pela água, suas dobras, rugas, ondulações... Simplesmente penso que a água é a imagem do tempo, e a cada véspera de Ano Novo, de um modo um tanto pagão, tento ficar perto da água, preferivelmente à beira de um mar ou de um oceano, para olhar o surgimento, a partir dela, de uma nova ajuda, um novo punhado de tempo. ... procuro uma núvem ou uma crista de uma onda quebrando na margem à meia-noite. Isso, para mim, é o tempo que sai da água, e fico olhando o desenho semelhante a renda que ela depõe na margem, não com conhecimento cigano, mas com ternura e gratidão.

Esse é o modo, e em meu caso o porquê, como eu ponho os olhos nesta cidade. Não há nada de freudiano nessa fantasia,... embora se pudesse estabelecer alguma conexão evolucionista... entre o desenho que uma onda deixa na areia e seu exame por um descendente do ictiossauro...
A renda vertical das fachadas venezianas é o melhor verso que o tempo-água deixou em terra ferma em qualquer lugar. Além disso, há sem dúvida uma correspondência, se não uma dependência total, entre a natureza retangular desses expositores da renda - ou seja, os prédios locais- e a anarquia da água que refuta a noção de forma. É como se o espaço, aqui mais do que em qualquer outro lugar, cônscio de sua inferioridade em relação ao tempo, lhe respondese com a única propriedade que este não possui: a beleza. E é por isso que a água pega essa resposta e a torce, espanca e rasga, mas em última instância a leva intacta para o Adrático."

nunca vi ninguém tão capaz de sentir um espaço.

essa imagem é de um rio de Cunha, à beira dele não há cidade, mas vejam em quantos projetos a água se desenha.

( em homenagem ao Edu)

8 comentários:

GUGA ALAYON disse...

simplesmente lindo mesmo
bj

Unknown disse...

Silvia, muito chic o seu blog, agua, espinhos e lindos desenhos, prbns!

Silvia disse...

guga, adoro esta imagem do diálogo entre o tempo-água e o espaço-matéria...
e também compartilho com ele a ida à beira mar colher mais alguns punhados de tempo.

Silvia disse...

rogério, obrigada, montei este blog justamente para compartilhar alguns trabalhos, fico feliz que você tenha apreciado

Anônimo disse...

ou nadar um espaço.

Silvia disse...

ou flutuar, franka
o problema é quando bóia!

Marcio Zamboni disse...

esse texto é fantástico...
nossa, eu ainda lembro da careca medonha daquele cara bizarro com quem vc estava conevrsando antes de tirar essas fotos! E tinha os pinhões coloridos tambm, não?

Silvia disse...

nossa, má, é verdade, ahah aquele careca..bem estranho, mas me incluo na estranheza uma vez que compartilhei aquela captura de pinhões em cor!